Por: Por André Theodoro
Nos últimos anos, a crescente visibilidade do Transtorno do Espectro Autista (TEA) trouxe à tona uma discussão urgente: a garantia dos direitos das pessoas autistas no o à saúde pública e suplementar. Embora o Brasil conte com legislação robusta — como a Lei nº 12.764/2012, conhecida como a “Lei Berenice Piana” — a realidade enfrentada por pacientes autistas e suas famílias ainda está longe do que prevê o ordenamento jurídico.
A Lei 12.764 reconhece a pessoa com TEA como pessoa com deficiência, garantindo-lhe todos os direitos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Isso inclui o a diagnóstico precoce, tratamento multidisciplinar, medicamentos, terapias e acompanhamento educacional especializado — todos esses serviços devem ser assegurados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a implementação concreta desses direitos esbarra em filas de espera de meses, ausência de profissionais especializados e negativa de cobertura por planos de saúde.
Em 2023, dados do Ministério da Saúde indicaram que mais de 1,5 milhão de brasileiros são diagnosticados com TEA — número que pode ser subestimado devido à subnotificação e à falta de o ao diagnóstico em áreas mais vulneráveis. Ainda assim, a oferta de serviços públicos especializados permanece centralizada em grandes centros urbanos, deixando famílias de regiões periféricas ou do interior desamparadas.
As decisões judiciais têm sido a principal via para garantir tratamento adequado. Tribunais de todo o país têm reiteradamente determinado que o Estado e planos de saúde forneçam terapias como ABA (Análise do Comportamento Aplicada), fonoaudiologia, psicopedagogia e terapia ocupacional. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já consolidou jurisprudência que obriga os planos de saúde a custear tratamentos contínuos quando prescritos por médicos, independentemente da previsão contratual ou do rol da ANS.
A recente inclusão do CID F84.0 (autismo infantil) no Censo 2022 pela primeira vez trouxe visibilidade e pressionou por políticas públicas mais eficazes. Mesmo assim, a falta de centros de referência regionais e a escassez de profissionais treinados continuam sendo os principais gargalos.
Além disso, a saúde mental dos cuidadores também deve ser pautada: mães, pais e responsáveis por pessoas autistas muitas vezes precisam abandonar seus empregos para cuidar dos filhos em tempo integral, enfrentando jornadas invisíveis e esgotamento emocional. É fundamental que o Estado reconheça esse impacto e ofereça apoio psicológico e socioeconômico.
O cenário demanda mais do que leis: exige implementação real e equitativa, com orçamento, fiscalização e responsabilização. Em 2024, o Congresso Nacional aprovou avanços como a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, mas esses dispositivos ainda aguardam regulamentação em muitos estados e municípios.
Chegou a hora de o Brasil deixar de tratar o autismo como uma pauta apenas de direitos civis e enfrentá-lo como uma questão de saúde pública — com a devida prioridade, financiamento e planejamento.
Enquanto houver mães dormindo nas filas de unidades básicas de saúde por uma vaga em terapia, e crianças sem diagnóstico por falta de neuropediatras, o Estado estará violando o princípio da dignidade da pessoa humana.
A pessoa com autismo não precisa de favores. Ela precisa que a lei seja cumprida.
André Theodoro Queiroz Souza | advogado especialista em Direito da Saúde e Previdenciário -OAB MS 17017*